sexta-feira, 26 de maio de 2017

TRAVALÍNGUAS

  1. Num ninho de mafagafos há sete mafagafinhos. Quando a mafagafa gafa, gafam os sete mafagafinhos.
  2. Trazei três pratos de trigo para três tigres tristes comerem.
  3. A aranha arranha a rã. A rã arranha a aranha. Nem a aranha arranha a rã. Nem a rã arranha a aranha.
  4. O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem, o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem o tempo que o tempo tem.
  5. Se percebeste, percebeste. Se não percebeste, faz que percebeste para que eu perceba que tu percebeste. Percebeste?
  6. O Rato roeu a rica roupa do rei de Roma! A rainha raivosa rasgou o resto e depois resolveu remendar!
  7. Em rápido rapto, um rápido rato raptou três ratos sem deixar rastros.
  8. O sabiá não sabia que o sábio sabia que o sabiá não sabia assobiar.
  9. Sabendo o que sei e sabendo o que sabes e o que não sabes e o que não sabemos, ambos saberemos se somos sábios, sabidos ou simplesmente saberemos se somos sabedores.
  10. Olha o sapo dentro do saco. O saco com o sapo dentro. O sapo batendo papo e o papo soltando o vento.
  11. A Iara agarra e amarra a rara arara de Araraquara.
  12. Fala, arara loura. A arara loura falará.
  13. Quem a paca cara compra, paca cara pagará.
  14. Bagre branco, branco bagre.
  15. A babá boba bebeu o leite do bebê.
  16. A mulher barbada tem barba boba babada e um barbado bobo todo babado!
  17. O que é que Cacá quer? Cacá quer caqui. Qual caqui que Cacá quer? Cacá quer qualquer caqui.
  18. Chega de cheiro de cera suja.
  19. Concluímos que chegamos à conclusão que não concluímos nada. Por isso, conclui-se que a conclusão será concluída, quando todas tiverem concluído que já é tempo de concluir uma conclusão.
  20. Um ninho de carrapatos, cheio de carrapatinhos, qual o bom carrapateador, que o descarrapateará?
  21. Quem era Hera? Hera era a mulher de Zeus.
  22. O desinquivincavacador das caravelarias desinquivincavacaria as cavidades que deveriam ser desinquivincavacadas.
  23. O doce perguntou pro doce qual é o doce mais doce que o doce de batata-doce. O doce respondeu pro doce que o doce mais doce que o doce de batata-doce é o doce de doce de batata-doce.
  24. O bispo de Constantinopla, é um bom desconstantinopolitanizador. Quem o desconstantinopolitanizar, um bom desconstantinopolitanizador será.
  25. Esta casa está ladrilhada, quem a desenladrilhará? O desenladrilhador. O desenladrilhador que a desenladrilhar, bom desenladrilhador será!
  26. O original não se desoriginaliza! O original não se desoriginaliza! O original não se desoriginaliza! Se desoriginalizásemo-lo original não seria!
  27. Fia, fio a fio , fino fio, frio a frio.
  28. Se o Faria batesse ao Faria o que faria o Faria ao Faria?
  29. Farofa feita com muita farinha fofa faz uma fofoca feia.
  30. Não sei se é fato ou se é fita. Não sei se é fita ou fato. O fato é que você me fita e fita mesmo de fato.
  31. A naja egípcia gigante age e reage hoje, já.
  32. Gato escondido com rabo de fora tá mais escondido que rabo escondido com gato de fora.
  33. La vem o velho Félix com o fole velho nas costas.
  34. Um limão, mil limões, um milhão de limões.
  35. Ao longe ululam cães lugubremente à Lua.
  36. Se a liga me ligasse, eu também ligava a liga. Mas a liga não me liga, eu também não ligo a liga.
  37. Maria-Mole é molenga. Se não é molenga, não é Maria-Mole. É coisa malemolente, nem mala, nem mola, nem Maria, nem mole.
  38. A vaca malhada foi molhada por outra vaca molhada e malhada.
  39. Os naturistas são naturalmente naturais por natureza.
  40. O padre pouca capa tem, porque pouca capa compra.
  41. Perto daquele ripado está palrando um pardal pardo.
  42. O princípio principal do príncipe principiava principalmente no princípio principesco da princesa.
  43. A pia perto do pinto, o pinto perto da pia. Quanto mais a pia pinga mais o pinto pia. A pia pinga, o pinto pia. Pinga a pia, pia o pinto. O pinto perto da pia, a pia perto do pinto.
  44. Há quatro quadros três e três quadros quatro. Sendo que quatro destes quadros são quadrados, um dos quadros quatro e três dos quadros três. Os três quadros que não são quadrados, são dois dos quadros quatro e um dos quadros três.
  45. Não confunda ornitorrinco com otorrinolaringologista, ornitorrinco com ornitologista, ornitologista com otorrinolaringologista, porque ornitorrinco, é ornitorrinco, ornitologista, é ornitologista, e otorrinolaringologista é otorrinolaringologista.
  46. Toco preto, porco fresco, corpo crespo.
  47. Se o Pedro é preto, o peito do Pedro é preto e o peito do pé do Pedro também é preto.
  48. Pedro pregou um prego na porta preta.
  49. Paulo Pereira Pinto Peixoto, pobre pintor português, pinta perfeitamente, portas, paredes e pias, por parco preço, patrão.
  50. Pedreiro da catedral, está aqui o padre Pedro? – Qual padre Pedro? – O padre Pedro Pires Pisco Pascoal. – Aqui na catedral tem três padres Pedros Pires Piscos Pascoais como em outras catedrais.
  51. Se o papa papasse papa, se o papa papasse pão, se o papa tudo papasse, seria um papa -papão.
  52. Disseram que na minha rua tem paralelepípedo feito de paralelogramos. Seis paralelogramos tem um paralelepípedo. Mil paralelepípedos tem uma paralelepipedovia. Uma paralelepipedovia tem mil paralelogramos. Então uma paralelepipedovia é uma paralelogramolândia?
  53. A rua de paralelepípedo é toda paralelepipedada.
  54. O Borges relojoeiro ruminara roendo raspas de raiz de romãzeira.
  55. Teto sujo, chão sujo.
  56. A vida é uma sucessiva sucessão de sucessões que se sucedem sucessivamente, sem suceder o sucesso.
  57. Fui caçar socó, cacei socó só, soquei socó no saco socando com um soco só.
  58. Caixa de graxa grossa de graça.
  59. Tecelão tece o tecido em sete sedas de Sião. Tem sido a seda tecida na sorte do tecelão.
  60. Uma trinca de trancas trancou Tancredo.
  61. Se cada um vai a casa de cada um é porque cada um quer que cada um vá lá. Porque se cada um não fosse a casa de cada um é porque cada um não queria que cada um fosse lá.
  62. Tem uma tatu-peba, com sete tatu-pebinha. Quem destatupebar ela, bom destatupebador será.
  63. Atrás da porta torta tem uma porca morta.
  64. Para ouvir o tique-taque, tique-taque, tique-taque. Depois que um tique toca é que se toca um taque.
  65. Se vaivém fosse e viesse, vaivém ia, mas como vaivém vai e não vem, vaivém não vai.

A VELHA CONTRABANDISTA

A VELHA CONTRABANDISTA
Stanislaw Ponte Preta

Diz que era uma velha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.

Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega a mandou parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim para ela:

- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no dentista, e respondeu:

- É areia!

Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou que a velhinha fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora com o saco de areia atrás.

Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.

Diz que foi aí que o fiscal se chateou:

- Olha vovozinha, eu sou fiscal da Alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.

- Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:

- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não vou dar parte, não apreendo não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não “espaia”? – quis saber a velhinha.

- Juro – respondeu o fiscal.

- É lambreta.

ADIVINHAS

ADIVINHAS

1.   O que é que é surdo e mudo, mas conta tudo?

2.   O que é o que é que sempre se quebra quando se fala?

3.   Ele é magro pra chuchu, tem dentes mas nunca come e mesmo sem ter dinheiro, dá comida a quem tem fome?

4.   O que é o que é feito para andar e não anda?

5.   O que é o que é que dá muitas voltas e não sai do lugar? 

6.   O que é o que é que sobe quando a chuva desce? 

7.   O que é? O que é? Que tem mais de 10 cabeças mas não sabe pensar? 

8.   O que é o que é que enche uma casa mas não enche uma mão?

9.   O que a esfera disse para o cubo?

10.               O que é o que é que está sempre no meio da rua e de pernas para o ar?

11.               O que é o que é que anda com os pés na cabeça?

12.               O que é que corre a casa inteira de depois vai dormir num canto?

13.               O que é que quanto mais cresce, mais baixo fica?

14.               Qual é o céu que não possui estrelas?

15.              O que é que está na ponta final do fim, no início do meio e no meio do começo?

16.               É um pássaro brasileiro e seu nome de trás para frente é igual.

17.               O que é, o que é? Quando estamos em pé, ele está deitado. Mas quando estamos deitado, ele está em pé.




RESPOSTAS

1.   O livro.

2.   O segredo.

3.   O garfo.

4.   A rua.

5.   O relógio.

6.   O guarda-chuva.

7.   A caixa de fósforo. 

8.   O botão.

9.   Deixa de ser quadrado.

10.               A letra U.

11.               O piolho.

12.               A vassoura.

13.               O rabo do cavalo.

14.               O céu da boca.

15.              A letra M.

16.               Arara.


17.                       O pé.

TRAVALÍNGUAS

TRAVA-LÍNGUAS


O PEITO DO PÉ DE PEDRO É PRETO.
O RATO ROEU A RODA DA CARROÇA DO REI DE ROMA.
O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA.
SALMOURAS SALGADAS SÓ SALGAM SALSICHAS.
UM TIGRE, DOIS TIGRES, TRÊS TIGRES.
A ARANHA ARRANHA A JARRA, A JARRA ARRANHA A ARANHA.
O PADRE PEDRO TEM UM PRATO DE PRATA, O PRATO DE PRATA NÃO É DE PEDRO.  
O PATO PIPO TEM PATA E PAPO.
A BOLA DE BETO BATEU NA BOCA DA BABÁ.
O BRINCO DE BRUNA BRILHA.
A FACA AFIADA FICAVA NO FUNDO DO FOGÃO.
COMPREI UMA ARARA RARA EM ARARAGUARA.
FRUFRU TOMO FRAPÊ DE FRUTA FRESCA.
ALFREDO FRITOU O FRANGO NA FRIGIDEIRA.
A GRALHA NA GRADE GRITOU COM O GRILO NA GRUTA.
O RECRUTA NO RECREIO COMEU UM CROQUETE CROCANTE.
UM BIFE DE CAÇAROLINHA NÃO É UM RIFLE DE CAÇAR ROLINHAS.
LUZIA LUSTRAVA O LUSTRE LISTRADO.O LUSTRE LISTRADO LUZIA.
TRAVA O TRINCO, TRAZ O TROCO.

TRÊS PRATOS DE TRIGO PARA TRÊS TIGRES.

A CARTA E O ÍNDIO

A CARTA E O ÍNDIO

UM FAZENDEIRO INCUBIU A UM ÍNDIO, AINDA NÃO TODO CIVILIZADO, QUE FOSSE LEVAR DEZ BELAS FRUTAS A UM AMIGO. SOBRE ELAS COLOCOU UMA CARTA NO CAMINHO, O ÍNDIO TEVE VONTADE DE COMER UMA DAS FRUTAS. E NÃO SE CONTEVE: COMEU-A!
         AO RECEBER O PRESENTE, O AMIGO DO FAZENDEIRO DISSE AO ÍNDIO:
            - VOCÊ COMEU UMA DAS FRUTAS?
            - EU?
            - SIM. ESTÁ FALTANDO UMA.
            - COMO É QUE O SENHOR SABE?
            - ORA ESSA! PELA CARTA.
         O ÍNDIO NÃO TINHA A MENOR IDÉIA DE COMO A GENTE PODE REGISTRAR AS IDÉIAS PELA ESCRITA, E DESSE MODO TRANSMITÍ-LAS AOS OUTROS.
         POR ISSO, OLHOU COM ADMIRAÇÃO A FOLHA DE PAPEL QUE O OUTRO EXIBIA E DISSE:
           -AH! ISSO CONTA O QUE A GENTE FAZ? ... EU NÃO SABIA!
        UMA SEMANA DEPOIS O ÍNDIO FOI DE NOVO ENCARREGADO DE LEVAR UM CESTO DE FRUTAS AO MESMO HOMEM. LEVARA TAMBÉM UMA CARTA.
        NO MEIO DO CAMINHO, POUSOU A CESTA NO CHÃO E, PEGANDO A CARTA, DISSE:
          - DEIXE ESTAR, BICHO MEXERIQUEIRO, CONTADOR DO QUE A GENTE FAZ! AGORA VOCÊ NÃO HÁ DE VER O QUE EU VOU FAZER PARA CONTAR AOS OUTROS!
        DITO ISSO, SENTOU-SE SOBRE O ENVELOPE. COMEU TRÊS DAS FRUTAS E ATIROU AS CASCAS E OS CAROÇOS. ENTÃO LEVANTOU-SE PÔS A CARTA NO LUGAR, E CONTINUOU NO CAMINHO.
        MAS COITADO! MAL CHEGA À CASA DO AMIGO DO FAZENDEIRO, O MESMO LHE PERGUNTA:
         - MAS ENTÃO ESTAVAM BOAS AS FRUTAS?
         -NÃO SEI, NÀO SENHOR!
         -COMO NÃO SABE? POIS NÃO COMEU TRÊS DELAS?
      VENDO-SE APANHADO EM FALTA, O ÍDIO, MUITO SEM JEITO CONFESSOU:
         -COMI, SIM SENHOR! O SENHOR ME DESCULPE... MAS... EU SÓ QUERIA SABER COMO FOI QUE O SENHOR DESCOBRIU...
         - É BOA! PELA CARTA!
         - NÃO PODE SER, NÃO SENHOR! O SENHOR ESTÁ BRINCANDO COMIGO, PORQUE DESTA VEZ EU SENTEI EM CIMA DELA E ELA NÀO VIU NADA.
       O HOMEM SORRIU DAQUELA SIMPLICIDADE, E O ÍNDIO PÔS-SE A PENSAR NO CASO. EMBORA NÃO TUDO PERFEITAMENTE COMEÇOU A PERCEBER QUE OS SINAIS ESCRITOS DEVERIAM SERVIR PARA TRANSMITIR UM RECADO.

FRANCISCO VIANA, ADAPTAÇÃO DE ALTINO MARTINEZ

A PEQUENA VENDEDORA DE FÓSFOROS

A Pequena Vendedora de Fósforos

(Hans Christian Andersen)

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. 
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas. 
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando. 
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo. 
Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio. 
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão. 
Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel. 
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! 
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso. 
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo. 
Sim: nisso ela pensava! 
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior. 
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão. 
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos. 
Suas mãozinhas estavam duras de frio. 
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz! 
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se. 
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... 
Que luz maravilhosa! 
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa. 
Como o fogo ardia! Como era confortável! 
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado. 
Riscou um segundo fósforo. 
Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito! 
Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria. 
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se veem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo. 
"Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus. 
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna. 
- Vovó! - exclamou a criança. 
- Oh! leva-me contigo! 
Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar! 
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal! 
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus. 
Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho. 
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver. 
A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes. 
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano ­Novo. 
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